sexta-feira, 23 de abril de 2010

Museu Italiano de Quadrinhos faz campanha publicitária

O Museu Italiano de Quadrinhos (Fumeto, como são chamados na Itália), lançou uma bem-humorada campanha publicitária para chamar a atenção dos visitantes italianos e dos turistas estrangeiros. O Museu está localizado no coração da cidade de Lucca.

A campanha se utiliza de algumas das mais famosas pinturas da história para propor uma brincadeira, em formato de tirinhas de jornal. Confira algumas das peças ...





A teoria do Caos


Uma borboleta que bate asas na China pode provocar um tornado em Nova York... Esta frase, que vem sendo citada por ambientalistas nas últimas décadas, é uma interpretação popular para uma teoria que vem se fortalecendo e ganhando espaço – desde as universidades aos livros de auto-ajuda: a Teoria do Caos ou Teoria da Complexidade.

Esta teoria foi citada pela primeira vez em 1963 pelo meteorologista Edward Lorenz, do Instituto de Tecnolgia de Massachusetts. Lorenz desenvolvia um modelo que simulava em computador a evolução de mudanças climáticas. A partir de valores iniciais de vento e temperatura, o computador fazia uma simulação da previsão do tempo. Ele imaginava que pequenas modificações nas condições iniciais acarretariam alterações também pequenas na evolução do quadro como um todo.

Mas, para a supresa de Lorenz, o estudo mostrou que mudanças infinitesimais nas entradas poderiam ocasionar alterações drásticas nas condições futuras do tempo. Uma leve brisa em Nevada, a queda de 1 grau na temperatura no oceano... podem ter uma repercussão ampliada em outro lugar do planeta. O nome Efeito Borboleta (que está diretamente associado à Teoria) é resultado da representação gráfica do modelo matemático criado pelo computador e que se assemelha às asas do inseto. A teoria revolucionou a compreensão de causa X efeito – como a Ciência sempre encarou a natureza – e abriu espaço para novas formas de compreensão do universo.

A partir da premissa de que o mundo funciona como uma complexa rede onde fios – quase invisíveis – estão conectados, o desenhista francês Pierre Schelle criou uma novela gráfica inovadora: A Teoria do Caos, lançada na França em 2001, após cinco anos de trabalho.  O romance gráfico – ainda inédito no Brasil – é inovador ao propor uma narrativa rara para os quadrinhos: a completa ausência de diálogos ou textos. Algo semelhante ao que o artista Peter Kuper havia feito na década de 80, com a história “O sistema”.

O esforço e esmero técnico de Pierre Schelle são recompensados. O traço do artista é refinado, detalhista e atento à complexidade de cada quadro. O resultado se assemelha a um novelo que vai lentamente sendo desenrolado. Todos os personagens e acontecimentos estão ligados entre si... O autor faz uma proposta ao leitor e elabora o roteiro da história de modo a brincar com os conceitos. O primeiro capítulo do livro, intitulado "Efeito Borboleta" propõe uma leitura dos impactos do bater de asas de uma borboleta na China sobre um tufão em nova York. A segunda história "O fator Humano" mostra que a evolução não é fruto da sorte, mas do caos: "a natureza aborrece o vazio. E, se consideramos que o homem está no topo da evolução, então o homem é o maior propagador de caos do Universo". Por último, Pierre Schelle joga com a Lei de Murphy e nos propõe uma reflexão bem humorada sobre o caos que adviria de uma "revoada" de borboletas: "Por causa de uma borboleta, nasceu o 130º Prêmio Nobel da Paz; por conta de uma segunda borboleta, foi eleito no Vaticano o primeiro Papa negro da história e uma terceira borboleta ocasionou a primeira eleição democrática na Birmânia...


Confira um documentário da TV Britânica BBC sobre a Teoria do Caos:


domingo, 18 de abril de 2010

Anos loucos – a história de Kiki



"Essa Paris me abalou dos pés a cabeça"
Joan Miró

"Se você tiver a sorte de ter vivido em Paris... então onde quer que vá para o resto de sua vida, ela permanece com você, porque Paris é uma festa."
Ernest Hemingway

"A América é minha terra, mas Paris é minha casa."
Gertrude Stein

As primeiras três décadas do século XX foram intensas e decisivas para os rumos da cultura, da economia e da política mundiais. A um só tempo, e em diferentes partes do mundo, explodiam guerras, revoluções, novas descobertas na ciência, movimentos artísticos de profunda ruptura: Guerra Civil Espanhola, Revolução Russa, a Revolução Mexicana, 1º Guerra Mundial, o cubismo, o Jazz, o dadaísmo, a moda, a massificação do rádio e do cinema... Foi como se uma força colossal e represada irrompesse de uma única vez.

Foi nesse contexto que surgiram personagens fantásticos como: Picasso, Duchamp, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tristan Tzara, Hemingway, James Joyce, Ezra Pound, Villa Lobos, Chagall... Mas o epicentro desta revolução era Paris. Era lá que os maiores expoentes se encontravam. 

Foi lá que Alice Prin, menina pobre nascida em Chatillon-sur-Seine transformou-se em Kiki de Montparnasse, musa inspiradora de alguns dos maiores artistas do século: Moise Kisling, Modigliane, Fujita Tsuguharu, Man Ray, entre outros.

A história de Kiki foi reproduzida em um romance gráfico que conquistou alguns dos maiores prêmios do mundo dos quadrinhos. Kiki de Montparnasse – de Catel Muller e Louis Bocquet – foi vencedor do Prix Essentiel FNAC em Angoulême, do Grand Prix RTL Comic Strip e do Millepages BD. O livro chega agora ao Brasil pela Editora Record.

Uma mulher seu tempo
Kiki foi o retrato de uma época. Liberal, intensa, amoral... Difícil de rotular, Kiki foi Cantora, atriz, modelo, prostituta, pintora, dançarina... Neste sentido, é difícil não lembrar de Tina Modotti (fotógrafa, atriz, revolucionária...) que viveu em diferentes  países no mesmo período de Kiki (o romance gráfico sobre Tina Modotti já foi comentado neste blog).

Criada pela avó, longe da mãe e sem conhecer seu pai, Alice sempre teve um espírito irrequieto. Aos 12, Alice foi juntar-se à mãe em Paris. Trabalhou em uma fábrica de sapatos e em uma padaria, onde era explorada (na época, o trabalho infantil – em especial das crianças pobres – era algo natural). Aos 14, ela decide deixar a padaria, após uma briga com a proprietária, e faz o seu primeiro trabalho como modelo para um escultor: Ronchin. Por conta disso, Alice é expulsa de casa pela mãe e vai viver de favores de artistas e boêmios do bairro de Montparnasse (reduto dos artistas em Paris). A partir daí, Alice vai construindo a sua transformação para Kiki e entrando para a história como uma das personagens mais marcantes dos chamados “anos loucos”.

“Paris não era só um aglomerado de escritores exilados de terras mais provincianas. Era Coco Chanel, que mudou a cara da cidade com seus vestidos elegantes e confortáveis e seu perfume N.º5, até hoje uma mina de ouro. Chanel e o art déco da grande exposição de artes decorativas de 1925 são, para todo o sempre, a mais atraente imagem da década.
Paris virou vitrina e todo mundo queria entrar nela. Os negros americanos do le jazz hot chegaram na companhia de Josephine Baker, uma pantera desfilando outra pantera na coleira. Tinha Jean Cocteau e seu Le Boeuf sur le Toit. Mas o paraíso era dos americanos. Os milionários chegavam poderosos como Nancy Cunard, Sara e Gerald Murphy, Caresse e Harry Crosby, com Zelda e Scott Fitzgerald como testemunhas. Tudo era fácil e barato. Até 1929 e a queda da Bolsa. Aí todos foram embora, mas a história já estava feita. Nenhum outro século saberá repeti-la.” (do site anos loucos)

Kiki viveu o céu e o inferno. Dormiu com alguns dos homens e mulheres mais influentes do mundo das artes, ficou imortalizada em quadros e fotos, drogou-se, apanhou de prostitutas, foi agredida por seus amantes e morreu só no mesmo bairro que a imortalizou.

O traço é de Kiki é de Catherine Muler, conhecida como Cathy Muller ou simplesmente Catel. A artista estudou na Escola de Artes Plásticas de Estrasburgo e especializou-se em ilustrações para crianças. Catel oscila entre a caricatura de humor e o retrato. O desenho é envolvente e foi resultado de amplas pesquisas visuais sobre a Paris dos anos 20 a 50. Catel estudou sobre a arquitetura e a moda parisiense da época para compor a história. O texto de José-Louis Bocquet também foi resultado de intensas investigações. O autor, em entrevista a um blog Português, disse que para criar o roteiro de apenas quatro páginas do encontro entre dois personagens, ele teve de ler duas biografias porque queria que as poucas frases fossem “reais”.


A leitura de Kiki é uma oportunidade imperdível para conhecer mais sobre os anos loucos e a Paris dos anos 20 e 30. Confira abaixo algumas fotos e pinturas inspiradas em Kiki.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Bordados – como ser uma mulher no Irã


Como ser mulher em um mundo onde apenas os homens podem tudo e a elas é reservado – unicamente – o papel de obedecer: ao pai, aos irmãos, ao marido, aos anciãos? Como resistir a uma cultura onde meninas de 13 anos são dadas como esposas a homens de 69 anos? Como sobreviver à opressão de um machismo perverso?

A quadrinista iraniana Marjane Satrapi tornou-se a mais importante porta-voz das mulheres do oriente a partir da publicação do seu primeiro livro “Persépolis”. Através das suas memórias pessoais e da família, a autora relembra a história recente do Irã dos aiatolás: a queda do Xá (que governava o país com uma tendência “europeizante”), a ascenção dos radicais religiosos, o fim do liberalismo cultural... O livro, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares, teve uma versão para cinema que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008.




Depois de Persépolis, Marjane repetiu a mesma fórmula com “Frango com ameixas” que conta a história do tio músico, que não consegue se adaptar ao radicalismo religioso. E agora lança no Brasil, pela Companhia das Letras, o seu terceiro livro: “Bordados”.

O romance gráfico investiga as lembranças e traumas das mulheres da família Satrapi e de suas amigas mais próximas. Em volta do samovar (uma peça tradicional no Irã, onde é servido o chá), oito mulheres se reúnem para contar suas histórias de dor, medo, humilhação e superação. Com um humor sutil e seu traço ingênuo (quase infantil), Marjane nos mostra como as mulheres iranianas conseguem tornar-se donas dos seus próprios destinos. Apesar de tudo, elas conseguem amar. Driblam a opressão de seus maridos, fazem cirurgias plásticas, traem, riem e fazem graça com sua própria condição. A autora faz um libelo feminista, sem cair no discurso panfletário.

sábado, 10 de abril de 2010

Limpeza de Sangue - as aventuras de Diego Alatriste

 
“Nos cárceres secretos de Toledo pude aprender, quase a custo de minha vida, que nada há de mais desprezível, nem perigoso, que um homem mau que toda noite se deita com a consciência tranquila. E ainda resulta pior quando atua como intérprete de uma só palavra, seja o Talmud, a Bíblia ou o Alcorão. Desconfie sempre de quem é leitor de um só livro.”


Mais uma vez o jovem Iñigo Balboa nos conduz pelas tortuosas ruas da Madri do século XVII, "com suas míseras luzes e suas ardentes sombras". O segundo livro da série de aventuras do capitão Diego Alatriste, escrita pelo espanhol Arturo Pérez Reverte, nos leva novamente a um cenário de traições, intrigas palacianas, corrupção e morte na Espanha de Felipe IV.

 A Europa – e a Espanha, em especial – viviam ainda sob o regime de medo e intolerância da Inquisição. Os autos de fé atraíam milhares de pessoas, desde a aristocracia até a população dos menores vilarejos. Quando celebrados em Madri, os autos eram presenciados pelas majestades reais. Nestes “espetáculos”, judeus muçulmanos, homossexuais, bígamos, protestantes e acusados de bruxaria, eram mortos em fogueiras, para delírio do público.

Neste período, vigorou uma política que ficou conhecida como “Limpeza de Sangue”, quando foram impostos regulamentos que impediam a judeus conversos ao cristianismo (e, logo depois toda ordem de pessoas condenadas pela Inquisição) e a seus descendentes de ocupar postos e cargos em diversas instituições – seja de caráter religioso, militar, universitário e civil.

“A perseguição levou a uma interminável caça às bruxa, completa com denunciantes pagos, vizinhos bisbilhoteiros e uma racista “limpieza de sangre”. Judeus conversos eram apanhados por intrigas e vestígios de prática mosaica: recusa de porco, toalhas lavadas à sexta-feira, uma prece escutada à soslaia, freqüência irregular à igreja, uma palavra mal ponderada. A higiene em si era uma causa de suspeita e tomar banho era visto como uma prova de apostasia para marranos e muçulmanos. A frase “o acusado era conhecido por tomar banho” é uma frase comum nos registros da Inquisição. Sujidade herdada: as pessoas limpas não têm de se lavar. Em tudo isto, os espanhóis e portugueses rebaixaram-se. A intolerância pode prejudicar o perseguidor (ainda) mais do que a vítima. Deste modo, a Ibéria e na verdade a Europa Mediterrânica como um todo, perdeu o comboio da chamada revolução científica”.


É neste contexto que Arturo Pérez Reverte insere o seu protagonista, Diego Alatriste. Um homem que, segundo o narrador da história – Íñigo Balboa, “não era o homem mais honesto, nem o mais piedoso, mas era um homem valente”. Um personagem com um talento inigualável de se meter em confusões.

No primeiro volume da série, já comentado neste blog, o espadachim se vê envolvido em uma trama palaciana para assassinar o herdeiro do trono da Inglaterra e acaba atraindo para si a ira da Igreja e de setores da aristocracia.


No segundo livro, Diego Alatriste e seu protegido Iñigo, são arrastados para dentro da Inquisição Espanhola. O próprio narrador é preso, torturado e interrogado nas masmorras. A única coisa que pode salvá-lo da fogueira é a sua pouca idade: o pajem de Diego tem apenas 14 anos.

Sombra e escuridão

O romance gráfico baseado na história de Arturo Reverte, tem roteiro de Carlos Gimenez e desenhos de Joan Mundet.

Mundet usa bico de pena e nanquim para reproduzir as ruas, vestuário, móveis e demais elementos que nos remetem ao período do reinado de Felipe IV. Ele não tem o requinte de detalhes de outros artistas autores de romances gráficos com fundo histórico (como Jacques Tardi, Joe Sacco e Stéphane Heuet), mas consegue alcançar uma expressividade no olhar, e no uso de luz e sombra que confere uma força adicional à narrativa.


Alatriste no cinema

A história de Diego Alatriste foi adaptada para o cinema, com Viggo Mortensen no papel principal. Confira um trailler abaixo

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sábado, 3 de abril de 2010

Novo livro de Joe Sacco lançado na Europa

Joe Sacco (Malta, 1960) se a convertido en la punta de lanza de ese subgénero dentro del cómic actual para adultos que se puede denominar periodístico. Periodístico no sólo porque trate temas de actualidad, sino porque parte de una investigación de campo, porque contrasta sus fuentes, porque ofrece un comentario siempre comedido y ajustado a los hechos y porque, a pesar de su presencia constante, el autor trata de no interferir entre la historia y el lector. Y en todos estos aspectos, Sacco hace un trabajo magnífico. Tras tres meses de trabajo sobre el terreno entrevistando a los protagonistas de los hechos y más de cuatro años de soledad reflexiva frente al tablero de dibujo, Sacco entrega al público una nueva obra maestra.

En Notas al pie de Gaza, Sacco retoma algunos de los temas que ya describió en Palestina hace casi dos décadas, pero en lugar de centrarse en la situación actual en los territorios palestinos ocupados y los campos de refugiados, echa la vista atrás para desentrañar los hechos oscuros que concluyeron con la matanza de cientos de palestinos civiles a manos de soldados israelíes en noviembre de 1956 en las ciudades de Khan Younis y Rafah. Sacco no es imparcial y no pretende serlo. Habiendo leído Palestina es obvio que sus simpatías están con el pueblo palestino y es su punto de vista y su historia la que el dibujante maltés quiere ofrecer al público. Con la realización de este libro, Sacco pretende por una parte, arrojar luz sobre lo que puede ser haber sido una gran mentira histórica promovida por los israelíes –que la mantaza se produjo ante la resistencia de los palestinos- y al mismo tiempo le interesa excavar hasta dar con las raíces del odio entre los dos pueblos. Esta clave de lectura ya la apunta el propio Sacco en el prólogo cuando reproduce las palabras de un testigo presencial que en 1956 tenía 9 años: “Sembraron el odio en nuestros corazones.” También en el prólogo se hace hincapié en el que será otro de los corolarios a los que llega el lector tras la lectura del libro: “los hechos son contínuos.” Los jóvenes palestinos no entienden la obsesión de Sacco con 1956 cuando hoy mismo sus casas están siendo derrumbadas, sus hay tiroteos diarios, cuando sufren constantes humillaciones. Sin embargo, en muchos aspectos, 1956 no es tan diferente de 2010. La lucha entre los dos pueblos continúa, la balanza sigue estando del mismo lado, la comunidad internacional sigue haciendo la vista gorda, el dolor de ayer se hace indistinguible del dolor de hoy. 1956 es hoy.

Gran parte de la fuerza de los libros de Sacco, y Notas al pie de Gaza es un ejemplo perfecto en este sentido, es su capacidad para individualizar y humanizar a los personajes –estas notas al pie, al fin desarrolladas- al tiempo que mantiene una actitud aséptica en sus textos de apoyo, transmitiendo al lector lo que podríamos llamar una “verosimilitud dramática”. Esta personalización se obtiene mediante pequeños detalles de su entorno y comportamiento –denotando el buen ojo periodístico del autor- y mediante detallados retratos. Los dibujos de Sacco tienen la capacidad de transportarnos al lugar de los hechos, y mientras sus escenarios extremadamente fieles a la realidad mantienen las perspectivas, las proporciones y son unívocos, los personajes a menudo –aunque menos que en Palestina, por ejemplo- se dibujan en perspectivas forzadas y deformantes que nos recuerdan que en esencia son una interpretación del autor. Este es otro de los temas importantes del libro, la recreación del autor de la historia, que constantemente es cuestionada, poniendo en entredicho tanto sus propias conclusiones como los recuerdos de muchos de los testigos presenciales entrevistados. Su memoria es en ocasiones un puro ejercicio de reconstrucción de la realidad de segunda mano o incluso una remodelación (de)formada a lo largo cinco décadas de sufrimiento. En cualquier caso, a pesar de todas estas consideraciones sobre la fiabilidad del relato que está construyendo, de sus propias motivaciones y de su papel como periodista extranjero, Sacco logra de nuevo componer una narración tan absorbente e informativa como emocionante, conmovedora y humana. Los abundantes textos y el detalle en el dibujo invitan a la lectura sosegada y ayudan a rumiar las ideas que se van apuntando, al tiempo que su claridad expositiva y capacidad de síntesis hacen la lectura fluida y apasionante. Dos de los sentimientos más presentes en el libro, el miedo y la resignación, vienen en gran medida transmitidos por el propio dibujo, que en más de una ocasión remite a los condenados al Infierno en los grabados de Gustavo Doré para La Divina Comedia de Dante. Notas al pie de Gaza es un cómic que no solo se precibe a nivel intelectual, sino que se siente.

Muchos reseñistas ajenos al mundo del cómic han considerado Notas al pie de Gaza como un “libro ilustrado”, tal vez porque no conciben que esta densidad, esta seriedad ensayística pueda darse en un cómic, cuando precisamente su enorme impacto viene dado por el medio que soporta el relato. Cuenta Sacco que, cuando estaba realizando su investigación en Gaza y se topaba con posibles testigos de los hechos, a menudo su guía les mostraba una copia de Palestina. “Cuando abrían el libro veían lo que estaban viviendo. Si hubiera sido prosa, no habrían sabido lo que yo hacía. Gracias a que era un cómic, lo entendían al momento.” Aunque en realidad, el mayor mérito de Sacco es que nosotros lo entendamos.

(do site espanhol Entrecomics)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Jerusalém, cidade dividida


“Jerusalém é uma cidade sagrada onde todos seus habitantes vivem amaldiçoados... Uma cidade feita para Deus, não para os homens.”

Árabes e judeus vivendo juntos na mesma cidade, compartilhando as mesmas lojas, as mesmas ruas, o mesmo café... O sonho de paz em Jerusalém já foi real um dia, quando um milhão de palestinos e cerca de cem mil judeus conviviam em um mesmo e único País - apesar de suas diferenças.

O artista espanhol Alfonso Zapico reproduz em “Café Budapest” um dos momentos mais importantes da história do século XX e que ainda hoje tem reflexo na geopolítica mundial: a criação do estado de Israel. Em uma entrevista concedida ao site da editora espanhola Astiberri, Zapico conta que o conflito entre palestinos e judeus, por sua extrema complexidade, sempre o deixou instigado. Seu desejo era fazer uma novela gráfica que contasse: “Começou tudo”.

Café Budapest é uma viagem no tempo. O leitor é transportado aos últimos meses do ano de 1947, às vésperas da conferência da ONU que decidiria pela divisão da Palestina (então sob domínio inglês). Outros livros de quadrinhos já exploraram, nos últimos anos, o conflito entre na Palestina. Sobre esse tema, o trabalho mais conhecido no Brasil é o do jornalista Joe Sacco, com dois livros publicados sobre a Intifada (Palestina, uma nação ocupada e Palestina, na faixa de Gaza). Sacco é considerado o criador e maior expoente do gênero quadrinho jornalístico, realizando verdadeiras reportagens sobre o drama do povo palestino (o artista não tem qualquer receio em tomar partido por um dos lados em conflito).

Também está disponível no Brasil (pela Jorge Zahar Editor) a série criada pelo artista francês Joann Sfar – O gato do rabino – que igualmente explora a relação entre árabes e judeus, analisando semelhanças e diferenças entre as duas culturas. A série foi transformada em filme e deve estar chegado aos cinemas ainda este ano.

O grande diferencial de Café Budapest é o de enfocar o momento exato da transformação, quando vizinhos – que até então tomavam chá juntos – são obrigados a dizer adeus. Um dos personagens do livro – o árabe Doutor Hassan – chega a acreditar que nunca haveria fronteiras entre os dois povos “porque entre irmãos a terra no se reparte, se comparte”. Mas em pouco tempo os fatos mostrarão que ele estava errado. O próprio Hassan reconheceria sua ingenuidade e concluiria: “Não existe como compartilhar a terra. Imagine a dois irmãos que vivem na mesma casa, em quartos diferentes e continuam convivendo... isso é compartilhar. Mas, se estes irmãos vão de quarto em quarto arrancando a pele um do outro à dentadas e sujando as paredes com seu sangue, isso não é compartilhar, é barbárie”.

Zapico conta a história de um jovem violinista judeu que deixa a Europa do pós-guerra e viaja com a mãe ao encontro do tio que vive na Palestina. A mãe de Yechezkel é uma sobrevivente do campo de concentração de Birkenau (onde o marido e pai de Yechezkel foi assassinado). Shprintza vive em uma depressão e isolamento profundos e guarda um segredo aterrador que só será revelado no final do livro.

O tio de Yechezkel – Yosef – tem um Café em Jerusalém, onde mantém amizade com assíduos clientes árabes. Mas, a situação não é tranquila. Há uma sensação de medo no ar. Uma expectativa, quase um prenúncio dos novos tempos que virão: “Em princípio de setembro, a vida em Jerusalém transcorria relativamente tranquila. Os vizinhos de toda a vida continuam sorrindo e saudando uns aos outros. Até que deixaram de acenar. Logo deixaram de passar pelas mesmas ruas. E finalmente, as portas se fecharam com tristeza... A Jerusalém até então conhecida começa a desmoronar”.

Provocativamente, Zapico coloca os personagens em rota de colisão. Como Yechezkel que acaba se apaixonando por uma garota árabe - Yaiza, e se torna amigo do senhor Hassan (com quem faz duetos de violino e violoncelo ao final da tarde).

Ou autor, ao contrário de Joe Sacco, tenta manter uma distância dos dois lados do conflito. Os extremista de ambos os lados (palestino e judeu) são alvo da crítica de Zapico: a Haganah - uma espécie de milícia armada isralense - e os militantes árabes. Talvez para evitar se comprometer, Zapico prefere não abordar os ataques a civis que se seguiram ao anúncio da criação do estado de Israel. Os primeiros conflitos, os primeiros atentados, os primeiros de muitos morticínios estão retratados no livro. Em especial os confrontos do dia 9 de março de 1948 em que árabes e judeus guerrearam entre as ruas de Jerusalém. Mas o artista silencia diante do ataque à aldeia de Der Yassin, na vizinhança de Jerusalém. A 9 de Abril de 1948, forças isralenses entraram na aldeia e massacraram mais de cem pessoas, homens, mulheres e crianças.

Mas, não é o propósito do artista espanhol construir um relato jornalístico.

Café Budapest é um dos melhores romances gráficos de ambientação histórica lançados nos últimos anos. Uma leitura fundamental para quem quer conhecer um pouco mais sobre a questão palestina.

Neste sentido, recomendo a leitura de um artigo recém publicado na revista Piaui sobre Edward Said, um dos maiores pensadores árabes modernos. Edward, que morreu em 2003, desagradou árabes e judeus com suas teorias e foi um dos primeiros a ter a coragem de anunciar que a única saída real para o conflito é palestinos e judeus voltando a viver juntos sob um mesmo estado.

veja o link http://www.revistapiaui.com.br/edicao_41/artigo_1249/O_cosmopolita_desenraizado.aspx