sábado, 26 de junho de 2010

Quatro vezes Moby Dick


A história da enorme baleia branca que destroi um navio e elimina sua tripulação foi eternizada no livro Moby Dick, lançado em 1851 pelo escritor americano Herman Melville. Moby Dick é considerado pela crítica como um dos livros fundamentais da literatura universal, ao lado de Ulisses, de James Joyce; Don Quixote, de Cervantes ou Em Busca do Tempo Perdido; de Marcel Proust.

As diferentes adaptações da obra em desenhos animados, como a série da Hanna Barbera exibida nos anos 70, acabaram banalizando a história e diminuindo a importância dramática do romance. Moby Dick representa o eterno conflito entre o Homem e seu destino ou entre e o Homem e a grandeza da natureza representada pela cachalote.

O mais impressionante é que a história criada por Melville foi baseada em fatos reais. Em 1820 o navio baleeiro Essex foi atacado por uma baleia enfurecida. O navio afundou rapidamente e os náufragos tiveram que navegar durante três meses e milhares de milhas do oceano Pacífico para encontrar o resgate. Apenas oito dos 21 marinheiros sobreviveram.

As pesquisas do Blog Nona Arte encontraram quatro versões em quadrinhos do clássico americano: uma leitura feita pelo mestre Will Eisner, a adaptação feita pelo argentino Enrique Breccia, a sombria versão de Bill Sienkiewicz lançada no Brasil na década de 1980 e a recém editada interpretação de Lance Stahlberg e Lalit Kumar Singh.

Clássicos Ilustrados

Bill Sienkiewcz é um artista americano de Pennsylvania nascido em 1958. Depois de cursar a Newark School o Fine and Industrial Art ele vem se dedicando aos quadrinhos. Entre os trabalhos já realizados por Bill estão o Quarteto Fantástico, Elektra, Batman, Hulk e histórias de Alan Moore... Em 1990 Bill Sienkiewcz lançou pela série Classics Illustrated sua visão sobre a história de Melville. Entres as três versões, a história de Bill é, sem dúvida, a melhor. O traço de Sienkiewicz é magistral. Fiel ao espírito do livro, onde a morte está presente desde o primeiro momento. A edição do texto original de Melville também é muito eficiente. O trabalho foi lançado no Brasil pela editora abril e fez história.

Moby de Eisner 

Eisner lançou sua versão para Moby Dick dentro de uma série em que ele se propunha a adaptar clássicos da literatura para crianças. Na mesma série ele adaptou Don Quixote e A Princesa e o Sapo. A versão de Will Eisner é menos ambiciosa que o trabalho de Bill Sienkiewicz. O texto é simples, minimalista, quase infantil...O traço vai na mesma linha, nada parecido com outros trabalhos fantásticos de Eisner, como Um Contrato com Deus ou Avenida Dropsie. Eisner se detém nos planos fechados e econômicos. Foi uma forma de economizar nos detalhes do navio ou das roupas e personagens.

Enrique Breccia, o mestre argentino 

Nascido em Buenos Aires em 1945, Breccia é um dos mais destacados artistas argentinos ao lado de Hector Oesterheld. Os dois chegaram a trabalhar juntos em uma adaptação sobre a vida de Ernesto Che Guevara. O trabalho de Breccia é feito em P&B. O traço é clássico e bem mais detalhista que a obra de Eisner. A versão do mestre argentino é de 1999. Anos antes, em 1980, o artista já havia feito ilustrações para uma edição argentina de Moby Dick.

Versão moderna

A adaptação mais recente da obra de Melville acaba de chegar ao Brasil como parte de um projeto da editora Farol Literário. Uma interpretação mais moderna, que busca equilibrar imagem e textos. Se a arte deste livro não alcança o primor estético da versão de Bill Sienkiewcz, os desenhos são eficientes e conseguem segurar assegurar o nível do trabalho. A Farol Hq tem como meta publicar no Brasil clássicos da literatura universal, como: 20 mil léguas submarinas, A ilha do tesouro, Robinson Crusoé, Viagem ao centro da terra, entre outros. Vale a pena conferir.

domingo, 20 de junho de 2010

Uma homenagem ao mestre Saramago

Este blog presta uma homenagem ao gênio da literatura, José Saramago, com um curta de animação feito a partir de uma história infantil do escritor.

Um deleite.


quarta-feira, 16 de junho de 2010

Jambocks - Um resgate histórico



“A ordem deles era: ‘Não se entregar!’ – ‘O reforço vem! Lutem e esperem!’ Mas “eles” não sabiam – ou se sabiam, ignoravam – que a aviação ‘deles’ não operava mais por ali… A munição ia acabar, a comida ia acabar, o frio castigava, mas “eles” não se entregavam! Os ‘tedescos’ diziam pra eles, que se entregarem para nós, brasileiros, era melhor! Era garantia de sobrevivência! Os estadunidenses ‘passavam fogo’ mesmo!”

Em três dias eu comi duas vezes, só! Um dia veio uma ‘ração’ dos estadunidenses, no outro veio uma pior ainda! A gente aquecia no capacete! Se colocasse depois, o capacete quente na cabeça gelada pela neve, dava uma “coisa” chamada ‘escama de peixe’! Ficava em carne viva! O capacete era pesado e ninguém gostava de usar… Mas todo mundo usava e nem precisava os oficiais recomendarem aos Sargentos e os Sargentos nos ‘mijar’! “Todo mundo usava porque às vezes você ouvia só um deslocamento de ar’ – ‘Shhhhhhfffffff” e era projétil saindo do nada e a qualquer hora – mesmo não sendo avanço ou tiroteio! Às vezes eu acho que algum praça alemão olhava lá de cima e pensava: ‘Vou atirar naquele ali!’ Mas o pior de tudo era o silencio da noite! O silêncio da noite na guerra é o único que pode ser ouvido de tão forte que é! Tudo que se move é suspeito… A respiração, tudo! 


Pedro Bozzetti - Ex-Combatente – Soldado – 1º Regimento de Infantaria – Corpo Médico
Texto escrito em 1993


Passados 70 anos, a Segunda Grande Guerra parece às novas gerações algo tão distante e exótico quanto a Guerra dos 100 anos. Algo que a gente vê nos filmes, estuda nos livros escolares mas não nos diz absolutamente respeito. O tempo e a eclosão de outras centenas de guerras na Ásia, África, América e na própria Europa fizeram com que a humanidade acabasse esquecendo os horrores da maior catástrofe da história.

Seis anos de conflitos causaram mais de cinqüenta milhões de mortos, deixaram oito milhões de mutilados, destruíram centenas de cidades e dizimaram florestas inteiras que jamais se recuperaram.

Neste contexto, a participação dos soldados da Força Expedicionária Brasileira na Guerra vem caindo no ostracismo devido à ausência de uma filmografia que resgate para as novas gerações este momento da história.  O projeto Jambocks, de Celso Menezes e Felipe Massafera, lançado pela editora Zarabatana vai resgatar agora parte desta dívida com o passado.

História recontada

Em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, Celso Menezes, roteirista de Jambocks revelou que a inspiração para o projeto veio de conversas com os poucos ex-combatentes ainda vivos: “Quando eles voltaram da guerra, o presidente Vargas estava no poder há 15 anos e tinha medo dessa onda de liberdade que ganhou força com a vitória dos aliados. Eles desfilaram no dia que chegaram, mas depois todos foram proibidos de falar no assunto. Muitos ficaram sem carreira, foram perseguidos diretamente e a esmagadora maioria chegou em péssima condições físicas ou psicológicas e sem nenhuma assistência, inclusive financeira. Existe uma grande incidência de suicídios e alcoolismo entre os veteranos da FEB e da FAB também. Os veteranos se sentem completamente esquecidos depois de terem se sacrificado tanto”.

A saga dos pracinhas será contada em quatro volumes. O primeiro número mostra a entrada do país na guerra , os bastidores das negociações entre o presidente americano Roosevelt e o ditador Getúlio Vargas que relotou até o último instante para decidir por qual lado o Brasil lutaria.

O roteiro de Celso Menezes costura fatos históricos e fictícios para dar maior dinamicidade à narrativa. No início da trama vemos a mobilização popular para que o país declarasse guerra à Alemanha. As notícias de navios brasileiros torpedeados por submarinos nazistas causavam verdadeiro furor. Boatos amplamente difundidos na época davam conta de que Hitler teria dito que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra (o que deu origem à expressão "A Cobra Fumou", que virou lema da FEB). A mobilização tomou vulto e o país acabou enviando para a Europa 25.334 soldados. Desses combatentes, 467 morreriam na Europa.

Traço sofisticado


Além de resgatar para as novas gerações as histórias de soldados anônimos, envolvidos em uma guerra sem precedentes, Jambocks também tem outros méritos e qualidades.

O primeiro ponto a favor é a qualidade artística do projeto. Felipe Massafera, responsável pelos desenhos, usa diferentes técnicas de traço para contar a história. Em alguns momentos do primeiro volume o estilo de Felipe se assemelha muito ao mestre americano Alex Ross, aclamado mundialmente por seu estilo “fotográfico”.

Outra qualidade de Jambocks é a opção de contar a história na perspectiva de pessoas comuns. Deste modo, Celso Menezes torna a narrativa mais humanizada e próxima do leitor. Algo semelhante foi desenvolvido pelo artista francês Emmanuel Guibert  na série “A guerra de Alan” (já comentada neste blog e que será em breve lançada no Brasil).

Jambocks, entretanto, falha pela falta de profundidade. Com pouco mais de 30 páginas (no formato revista), o primeiro volume “Prelúdio para a Guerra”, não consegue ir suficientemente fundo na história, tornando o roteiro raso e ingênuo. Um projeto que pretende resgatar para as novas gerações um momento tão decisivo da história precisa de mais fôlego. Apenas como exemplo, lembramos do projeto “Chibata – João Cândido e a revolta que abalou o Brasil” lançado pela editora Conrad em 2008 e que tinha mais de 200 páginas no formato Album. Neste sentido, Chibata tornou-se não apenas uma leitura "curiosa" sobre um fato praticamente desconhecido na história brasileira, mas um verdadeiro documento sobre a revolução dos marinheiros contra os maus tratos cometidos pela Marinha brasileira.

Por conta desta limitação de espaço, Jambocks acaba não sendo mais minuncioso (pelo menos no primeiro volume) em aspectos extremamente importantes para a compreensão do contexto em que se deu a entrada do Brasil na Guerra, como: a pressão exercida pelos Estados Unidos para que o país entrasse na luta ao lado dos aliados (inclusive com ameaças de invasão por parte dos americanos); a intensa propaganda política usada por Getúlio para justificar a posição brasileira, entre outros pontos.

Esta crítica, no entanto, não deve desencorajar Celso Menezes e Felipe Massafera. Ao contrário. Esperamos que o projeto ganhe corpo e possa – quem sabe – inspirar outros projetos sobre a participação brasileira na Segunda Guerra, bem como de outras passagens da história do país.

Para quem ficou curioso em conhecer mais sobre o Projeto Jambocks, fica a dica para visitar o blog da obra: jambocks.blogspot.com

Para os interessados em saber mais sobre as histórias dos ex-combatentes, vale a pena conferir este documentário realizado como projeto experimental de alunos do curso de jornalismo da Universidade Feevale de Novo Hamburgo.