segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ruanda 1994 - sangue no coração da África - Quadrinhos na África - Parte IV

Quantos assassinatos são necessários para se ter um genocídio?

Em 1994, enquanto centenas de milhares de pessoas eram trucidadas em Ruanda, diante da opinião pública mundial, os Estados Unidos e a Organização das Nações Unidas discutiam nos gabinetes sobre o significado da palavra para justificar sua total omissão.

O massacre de quase toda a população da etnia tutsi do país é considerado um dos piores crimes contra a humanidade do século XX. Os números são imprecisos. Mas é certo que em apenas 100 dias, mais de 800 mil pessoas (alguns historiadores afirmam que chegam a 1 milhão de assassinatos), foram mortas de forma cruel, com armas de fogo e - em sua maioria - com facões e martelos...

O ódio que levou ao genocídio em Ruanda tem sua origem ainda no período em que o país era uma colônia belga. Para dividir a população e manter mais facilmente o domínio sobre o território, os europeus difundiram a tese de que os tutsi (mais altos, com os narizes ligeiramente mais afilados e pele mais clara) descendiam dos antigos egipcios e - por isso - eram superiores às duas outras etnias (hutus e twa).  Baseados nessa teoria, os belgas colocaram os tutsi em postos de comando, pagaram a eles melhores salários e criaram a discórdia entre comunidades que até então se entendiam perfeitamente bem. Ao longo do período colonial, os tutsi seriam acusados, em alguns momentos, de tortura e assassinato contra os hutus. Esse ódio mútuo permanceria presente até explodir em 1994, com o assassinato do presidente de Ruanda, Juvenal  Habyarimana (um hutu moderado), que governou o país durante 20 anos.  Até hoje não se sabe se o atentado que derrubou o avião presidencial foi responsabilidade dos radicais hutus ou dos rebeldes tutsi que combatiam o governo ao norte do país. De todo modo, foi o pretexto que faltava para dar início ao massacre já planejado.

Jornalistas que acompanharam o genocídio afirmam que o assassinato em massa foi preparado com antecedência. Há, inclusive, notícias da importação de milhares de facões da China, que foram distribuídos largamente entre a população hutu. O nível de violência foi tão assustador que não há praticamente na sociedade uma pessoa que não tenha tido um parente assassinado ou que tenha cometido um assassinato. Os observadores internacionais afirmam que se todas as pessoas que cometeram crimes fossem condenadas, cerca de 10% da população do país estaria na cadeia.


O Nona Arte localizou duas publicações que abordam o genocídio: Rwanda 1994, do congolês Pat Masioni e Deogratias, do belga Jean-Philippe Stassen. 


O livro de Jean Stassen ganhou o prêmio Goscinny de 2000 - considerado uma das mais importantes premiações para quadrinhos na Europa. A história é um romance com fundo histórico e conta a trajetória de um menino adolescente, dependente de álcool que vaga pelas ruas de Ruanda após o fim do massacre. O leitor é levado a conhecer a história de vida do protagonista e as razões que levaram o jovem à situação de abandono e doença. Incluindo a relação do menino, da etnia hutu, com uma garota tutsi. "Deogratias" significa - "obrigado a Deus por exisitir" - e é também o nome do personagem principal. Stassen vive atualmente em Ruanda com a familia.

Pat Masioni revelou que publicou seu primeiro desenho aos 14 anos, com ajuda de dois padres espanhóis que ajudaram sua família e apoiaram financeiramente os seus estudos. Ele estudou pintura na Academia de Kinshasa e em 1985 tornou-se o ilustrador. Não demorou muito para que se tornasse um profissional. Seus livros se tornaram sucesso de vendas e seu nome passou a ser conhecido. Principalmente com trabalhos de ilustração em livros religiosos e charges nos jornais. Anos mais tarde, como co-fundador da L'atelier ACRIA Associação, Masioni se tornou o diretor artístico de três edições do festival de quadrinhos de Kinshasa. Hoje o artista mora em Paris. Ele fugiu do Congo depois que caricaturas suas para os jornais "Le Palmares 'e' Le Gri-Gri internacional", incomodaram políticos locais.

A fama internacional, entretanto, só viria em 2005, quando Pat publicou sua revista em quadrinhos em duas partes, relatando o massacre de Ruanda. "A arte me libertou da pobreza e obscuridade, mas não demorou muito para também me trazer problemas. Ao longo de minha vida como artista em Kinshasa, República Democrática do Congo, fui preso em várias ocasiões, algumas vezes por crianças-soldados. Tenho sido espancado por meus desenhos. Tenho visto coisas que ninguém deve ver, coisas que eu nunca vou esquecer." diz Masioni. O artista fala sobre o seu trabalho: "posso me definir como um ilustrador politicamente engajado e um cidadão do mundo".

Para conhecer mais sobre a guerra civil em Ruanda eu recomendo um documentário disponível na internet, e que aborda a omissão das Nações Unidas e da opinião pública mundial que silenciou e assistiu passivamente o genocídio: os fantasmas de Ruanda, produzido pelo programa de TV americano "Frontline".

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