sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Hiroshima - o Massacre em Quadrinhos


Na manhã do dia seis de agosto de 1945 Keiji Nakazawa brincava em sua escola, em Hiroshima (Japão), quando a Bomba Atômica foi lançada sobre a cidade. Ele tinha apenas seis anos e viu o pai e dois irmãos morrerem no incêndio que se seguiu à explosão. Keiji e a mãe conseguiram sobreviver. Mas as imagens de destruição ficaram marcadas em sua memória para sempre: pessoas com a pele derretendo de seus corpos, centenas de homens, mulheres e crianças se jogando no rio para tentar fugir aos incêndios que tomaram conta da cidade, prédios destruídos, corpos abandonados pelas ruas... Anos depois Keiji se tornaria um dos mais importantes artistas japoneses e sua obra mais famosa Hadashi no Gen (no Brasil a série foi traduzida como "Gen - Pés descalços") um dos mais aclamados quadrinhos já produzidos (no Japão os quadrinhos são chamados de Mangás) e um dos mais eloquentes manifestos já feitos em defesa da paz.

A história em quadrinhos que conta a saga de Gen Nakaoka, personificação de Keiji Nakazawa, começou a ser publicada no Japão em 1973 nas páginas da revista semanal Shonen Jump. Em pouco tempo "Gen - Pés descalços" se tornaria um obra de referência e leitura obrigatória para entender a tragédia dos ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki. O livro que reúne as páginas semanais do quadrinho foi traduzido para dezenas de idiomas e adotado como leitura obrigatória nas escolas do Japão e do próprio Estados Unidos.

Nakazawa conta que decidiu escrever a história - após anos de resistência em lembrar os horrores da bomba - quando ao cremar o corpo de sua mãe percebeu que, ao contrário do que geralmente ocorrem nestas cerimônias, os ossos haviam sido consumidos pelo fogo. "O césio radioativo tinha devorado o esqueleto de minha mãe, que foi reduzido a cinzas. A bomba atômica tinha tirado tudo de mim, até mesmo os ossos de minha mãe." diz o autor.

Um dos maiores feitos de Gen é dar ao leitor uma visão ampla do cotidiano da vida dos japoneses (em particular, da população de Hiroshima) antes e após a bomba. Pelo relato de Keiji sabemos, por exemplo, que nem toda a população da cidade foi atingida da mesma forma. Uma pequena elite continuou alheia à tragédia enquanto a imensa maioria do povo se viu obrigado a lutar por comida. Neste sentido, a narrativa que se extende por semanas após o lançamento da bomba, consegue ser tão chocante quanto a própria descrição do momento da explosão. Pessoas doentes, sem cabelos, com a pele tomada de feridas e vermes, vagavam pelas ruas, perdidas de suas famílias. A busca desesperada pela sobrevivência levava ao surgimento de quadrilhas especializadas em roubar alimentos para uso próprio e para manter o enorme mercado clandestino.

Outro grande mérito de Gen - Pés descalços é o de não cair no discurso fácil anti-americano (nada mais esperado em um livro que retrata os horrores do ataque nuclear). Nakazawa faz um consistente discurso pacifista e aponta suas críticas tanto aos Estados Unidos quanto ao militarismo do Império Japonês. "Eu odiei os Estados Unidos por terem usado a bomba atômica. O Japão já estava à beira da rendição. Por que os EUA lançaram a bomba em tais circunstâncias? E mais do que isso eu odiava os líderes japoneses que tinham levado o país à guerra", diz. "Não escrevi Gen simplesmente para denunciar a destruição causada pela bomba. Eu queria retratar o processo através do qual o povo japonês foi aprisionado num sistema imperial facista que exaltava o imperador e instigou a nação a uma guerra total", complementa.

A saga de Gen foi adaptada para a TV japonesa em uma novela e em uma animação. Confira abaixo.



















Nenhum comentário:

Postar um comentário