sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Quadrinhos africanos - Parte I


“Sabe-se tudo sobre a maneira como morrem os africanos e nada sobre a maneira como eles vivem.”

Georges Courade em L’Afrique des Idées Reçues


Preconceito, ignorância, pena, medo, exploração... O continente africano, e os seus diferentes povos, continuam sendo até hoje um universo desconhecido para a grande maioria da população mundial. As imagens de homens, mulheres e crianças famintas em campos de refugiados são a primeira coisa que nos vem à mente quando pensamos na África. A segunda ideia que está diretamente ligada ao conceito que temos sobre o continente são as sangrentas guerras civis. E a terceira imagem é de imensas extensões de terra tomadas por leões e elefantes selvagens.

É verdade que a África continua a ser o continente mais vitimado do planeta pelas guerras, pela fome e doenças. Séculos de exploração ininterrupta mantém a grande maioria da população africana (estimada – em 2006 – em 924,5 milhões de habitantes) abaixo do nível de pobreza definido pelo Banco Mundial (onde as pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia). É também verdade que diferentes tipos de doenças – em especial a AIDS e a Malária – continuam matando milhões de pessoas todos os anos. Mas a África não é só isso. Não mesmo.

As imagens massificadas pela mídia mundial nos passam uma visão de que o continente seria um bloco monolítico. Mas, olhando de perto, a África surpreende pela sua diversidade: são 54 países e mais de mil línguas. E esta diversidade e força começam a ocupar seu espaço.

Escritores e músicos africanos já podem ser encontrados com alguma facilidade nas livrarias da Europa e Américas. Nomes como: Mia Couto, José Eduardo Agualusa, John Maxwell Coetzee, Paulina Chiziane, Cheb Mami, Khaled, Alpha Blondy, Ismael Isaac, Sade Adu ou Youssou N'Dour são uma pequena mostra da expressividade da voz africana que busca seu reconhecimento mundial.

O fenômeno dos quadrinhos

É neste contexto cultural e político que o quadrinho africano se insere.

A pesquisadora brasileira Sônia M. Bibe Luyten, em sua coluna Quadrinhos pelo Mundo (no site Universo HQ), resgata a origem das primeiras manifestações em quadrihos no continente: “... uma das primeiras revistas de quadrinhos foi publicada em Angola (e figura entre as pioneiras do continente) e, infelizmente, é de autoria anônima. Trata-se de A vitória é certa – Manual de alfabetização, editada em 1968, em Luanda, pelo Movimento Popular de Libertação de Angola. Esta produção da África negra reflete a tradição oral, e as Histórias em Quadrinhos podem ser encaradas como um ponto de articulação entre a oralidade e a escrita, entre a tradição e a modernidade. A tradição oral da sociedade africana tem como base o conto que, como vimos, além de ter um alcance essencialmente didático, é também fonte de entretenimento. As histórias se transportam do real para o fantástico e oferecem às crianças uma fonte inesgotável de elementos para a imaginação.”

Facilitada pela difusão da Internet, a produção de artistas do continente começa a ganhar espaço. Em 2006, o Studio Museum in Harlem realizou a primeira exposição de autores de quadrinhos africanos nos Estados Unidos. A mostra “Africa Comics” reuniu trabalhos de 35 artistas de diferentes países como: Nigéria, Camarões, Senegal, África do Sul, Moçambique entre outros. A exposição recebeu uma crítica extremamente positiva do jornal The New York Times que classificou as obras de “Intensas”. Entre os trabalhos apresentados ao público havia desde histórias de super-heróis até a denúncia sobre as mutilações femininas praticada ainda hoje em diferentes países africanos.

Em 2008 o Museu Africano Holandês apresentou uma exposição que reuniu 19 artistas dos quadrinhos feitos no continente. Estes trabalhos ganharam o mundo, literalmente. A mostra viajou para Lagos, na Nigéria (novembro a dezembro de 2008), Espanha (maio a junho de 2009), e Brasil (14 de outubro 08 de novembro de 2009). Além disso, o Museu criou um site específico para quem quer conhecer mais sobre a produção de comics na África. O site Picha (na língua Swahili, ou suali, quer dizer "desenho") reúne um banco de dados sobre os artistas expostos, uma amostra de quadrinhos educacionais africanos e links de revistas especializadas em comics na África.

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