terça-feira, 26 de julho de 2011

O Estrangeiro

 


  

“Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos. Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.”


A indiferença com a morte da própria mãe faz de Mersault, protagonista do mais importante romance do escritor Albert Camus, um dos mais intrigantes personagens da história da literatura. Um homem sem emoção, incapaz de sentir remorsos, mesmo quando está prestes a ser executado na guilhotina. Mersault nos remete a outros personagens extremamente complexos como o protagonista do romance “Estorvo”, de Chico Buarque – que sequer tem um nome – ou Jean-Baptiste Grenouille (do romance O Perfume). Homens vazios que passam pela vida como blocos de gelo à deriva, sem rumo. 

Nada parece satisfazer Mersault. Nada o altera, nada o comove... Uma sensação de total falta de sentido se desprende de cada um dos seus movimentos. Como em outros livros de Camus, o absurdo da condição humana está marcada em toda a obra. Não é à toa que o escritor é considerado um dos pais do existencialismo (apesar de sempre ter negado essa relação).”Todos sabem que a vida não vale a pena ser vivida. No fundo, não ignorava que morrer aos trinta ou aos setenta anos tanto faz, pois em qualquer dos casos outros homens e mulheres viverão, e isso durante milhares de anos. No fim das contas, isso era claro como água, hoje ou daqui a vinte anos, era o mesmo eu quem morria.”

O Estrangeiro em quadrinhos – As adaptações de clássicos da literatura para o formato dos quadrinhos têm resultado, em muitos casos, em trabalhos caricatos, limitados e voltados unicamente ao público estudantil/juvenil. Não foi o que aconteceu com a versão para quadrinhos de O Estrangeiro lançada este ano no mercado editorial argentino. O trabalho do roteirista Juan Carlos Kreimer e do ilustrador Julián Aron é uma obra madura ao nível das melhores adaptações já feitas.

Juan Carlos Kreimer se inspirou no filme O Estrangeiro, de Luchino Visconti  (1967). “Como a obra é narrada em primeira pessoa e tem uma prosa embriagadora, era complicado colocar os diálogos e imagens. Eu tinha de ser mais convincente, ter bons desenhos...”

Para realizar a adaptação, o artista Kreimer teve de submeter as pranchas do livro à aprovação da editora francesa Gallimard, que detém os direitos do clássico francês. Segundo o ilustrador argentino, a editora tinha um certo preconceito sobre o gênero do quadrinho.

O romance não é uma história fácil de adaptar porque boa parte da ação está na mente de Mersault. Há algumas poucas cenas que dão espaço a ilustrações. O restante são conversas, passeios e dias inteiros olhando as paredes. E, entretanto, a história não aborrece. Os autores conseguiram transformar o texto de Camus em um roteiro ágil.


Os planos estão muito bem estruturados. Julián demonstra domínio da narrativa gráfica. Com um traço clássico, acadêmico (embora alguns personagens pareçam às vezes um tanto caricatos) o desenhista argentino usa de texturas, do branco, negro e cinza para reconstruir a Argélia de meados do século XX. A partir de referências fotográficas Aron reproduz os meios de transporte, os edifícios... tudo com paciência de relojoeiro.

Kreimer revela que um dos maiores desafios, entretanto, foi o de dar rosto ao protagonista. A primeira dificuldade foi me livrar da tentação de fazer Mersault à feição do próprio Camus. O personagem deveria ser atraente, mas sem ser um galã e, ao mesmo tempo, sem perder seu temperamento introspectivo. Ao final, o protagonista acabou se parecendo um pouco com Cary Grant, mas um pouco mais fraco”, revela o artista em entrevistas publicadas em jornais argentinos.

A adaptação de O Estrangeiro para quadrinhos foi recebida com grande entusiasmo na Argentina e é uma obra que merece ser reconhecida.

O Estrangeiro em teatro - A atriz Vera Holtz e o ator Guilherme Leme levaram aos palcos, em 2009, uma peça que tinha como texto a obra do escritor francês. A peça marcou a estreia da já consagrada atriz na figura de diretora. Confira um trecho da peça em matéria veiculada à época na Tv Cultura.


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