domingo, 20 de março de 2011

A guerra do Professor Bertenev


Em qualquer guerra, o que realmente importa não são os triunfos ou derrotas, as histórias oficiais de políticos e militares ou o balanço numérico de perdas e danos; mas os testemunhos dos homens, mulheres e crianças que sobrevivem ao horror das batalhas e assassinatos. Somente as memórias dessas pessoas anônimas, que têm suas vidas destroçadas por interesses alheios aos seus, podem ser capazes de comover a opinião pública e evitar que novas guerras ocorram.

Partindo desta premissa, o premiado artista espanhol, Alfonso Zapico, criou em seu primeiro romance gráfico (lançado inicialmente na França e somente depois na Espanha) uma história delicada que reflete o absurdo das guerras, tendo como pano de fundo um momento da história que já havia influenciado o surgimento de outra obra prima da literatura mundial: Ana Karenina, de León Tolstoi. Zapico conta que queria criar uma história ambientada na Guerra da Crimeia, com grandes batalhas, soldados cossacos e cargas de cavalaria... “quando um homenzinho frágil, míope e ingênuo foi pouco a pouco dominando a narrativa”. E o que foi pensado como uma aventura épica acabou se tornando um manifesto contra a Guerra. “Eu buscava Errol Flynn e me saiu Bertenev”, conta Zapico.

A Guerra da Crimeia foi um conflito travado entre 1853 e 1856 que colocou de um lado o Império Russo e suas pretensões expansionistas e, de outro, uma coligação composta por França, Reino Unido, Piemonte/Sardenha (atual Itália) e o império Turco-Otomano.

Neste contexto, o artista espanhol desenvolve a fantástica história de amizade entre um soldado russo, o professor Bertenev, e o oficial inglês John Townsend. O romance gráfico tem início no ano de 1856, o último da guerra, em um cenário de batalha em que a aliança entre ingleses e franceses avança sobre o exército russo , já praticamente destroçado. O capitão russo, Alexis Golitnichef promete – apesar da iminente derrota – encher a terra de cadáveres antes de retirar-se ou render-se.

É neste momento que Bertenev resolve fugir e acaba aprisionado por Townsend. O domínio do idioma inglês e a história de vida do russo acabam despertando o interesse do oficial britânico. Assim, os leitores descobrem como Bertenev acabou sendo forçado a se alistar no exército depois de editar um jornal clandestino destinado a intelectuais e artistas, conclamando a uma mudança profunda do país. A surpreendente amizade com o oficial inimigo acaba condenando irremediavelmente Bertenev, que se vê alvo do ódio dos demais soldados russos.

As referências literárias e artísticas de Zapico que vão surgindo ao longo do livro são numerosas: Konstantin Batiushkov, Aleksandr Pushkin, Tolstoi, Dostoievski e Gorki. O artista se dedica agora a produzir um novo romance gráfico baseado na história do escritor James Joyce (autor do clássico da literatura “Ulisses”). “É um personagem fascinante, que teve umam vida extraordinária e meu objetivo não é contar uma história complicada como Ulisses, mas recriar a vida do autor”, diz Zapico. O autor mantém um blog excelente onde os fãs podem acompanhar os seus projetos. Confira também outro post já publicado no Nona Arte sobre o segundo romance gráfico do artista espanhol, ambientado em Jerusalém.

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