sexta-feira, 2 de abril de 2010

Jerusalém, cidade dividida


“Jerusalém é uma cidade sagrada onde todos seus habitantes vivem amaldiçoados... Uma cidade feita para Deus, não para os homens.”

Árabes e judeus vivendo juntos na mesma cidade, compartilhando as mesmas lojas, as mesmas ruas, o mesmo café... O sonho de paz em Jerusalém já foi real um dia, quando um milhão de palestinos e cerca de cem mil judeus conviviam em um mesmo e único País - apesar de suas diferenças.

O artista espanhol Alfonso Zapico reproduz em “Café Budapest” um dos momentos mais importantes da história do século XX e que ainda hoje tem reflexo na geopolítica mundial: a criação do estado de Israel. Em uma entrevista concedida ao site da editora espanhola Astiberri, Zapico conta que o conflito entre palestinos e judeus, por sua extrema complexidade, sempre o deixou instigado. Seu desejo era fazer uma novela gráfica que contasse: “Começou tudo”.

Café Budapest é uma viagem no tempo. O leitor é transportado aos últimos meses do ano de 1947, às vésperas da conferência da ONU que decidiria pela divisão da Palestina (então sob domínio inglês). Outros livros de quadrinhos já exploraram, nos últimos anos, o conflito entre na Palestina. Sobre esse tema, o trabalho mais conhecido no Brasil é o do jornalista Joe Sacco, com dois livros publicados sobre a Intifada (Palestina, uma nação ocupada e Palestina, na faixa de Gaza). Sacco é considerado o criador e maior expoente do gênero quadrinho jornalístico, realizando verdadeiras reportagens sobre o drama do povo palestino (o artista não tem qualquer receio em tomar partido por um dos lados em conflito).

Também está disponível no Brasil (pela Jorge Zahar Editor) a série criada pelo artista francês Joann Sfar – O gato do rabino – que igualmente explora a relação entre árabes e judeus, analisando semelhanças e diferenças entre as duas culturas. A série foi transformada em filme e deve estar chegado aos cinemas ainda este ano.

O grande diferencial de Café Budapest é o de enfocar o momento exato da transformação, quando vizinhos – que até então tomavam chá juntos – são obrigados a dizer adeus. Um dos personagens do livro – o árabe Doutor Hassan – chega a acreditar que nunca haveria fronteiras entre os dois povos “porque entre irmãos a terra no se reparte, se comparte”. Mas em pouco tempo os fatos mostrarão que ele estava errado. O próprio Hassan reconheceria sua ingenuidade e concluiria: “Não existe como compartilhar a terra. Imagine a dois irmãos que vivem na mesma casa, em quartos diferentes e continuam convivendo... isso é compartilhar. Mas, se estes irmãos vão de quarto em quarto arrancando a pele um do outro à dentadas e sujando as paredes com seu sangue, isso não é compartilhar, é barbárie”.

Zapico conta a história de um jovem violinista judeu que deixa a Europa do pós-guerra e viaja com a mãe ao encontro do tio que vive na Palestina. A mãe de Yechezkel é uma sobrevivente do campo de concentração de Birkenau (onde o marido e pai de Yechezkel foi assassinado). Shprintza vive em uma depressão e isolamento profundos e guarda um segredo aterrador que só será revelado no final do livro.

O tio de Yechezkel – Yosef – tem um Café em Jerusalém, onde mantém amizade com assíduos clientes árabes. Mas, a situação não é tranquila. Há uma sensação de medo no ar. Uma expectativa, quase um prenúncio dos novos tempos que virão: “Em princípio de setembro, a vida em Jerusalém transcorria relativamente tranquila. Os vizinhos de toda a vida continuam sorrindo e saudando uns aos outros. Até que deixaram de acenar. Logo deixaram de passar pelas mesmas ruas. E finalmente, as portas se fecharam com tristeza... A Jerusalém até então conhecida começa a desmoronar”.

Provocativamente, Zapico coloca os personagens em rota de colisão. Como Yechezkel que acaba se apaixonando por uma garota árabe - Yaiza, e se torna amigo do senhor Hassan (com quem faz duetos de violino e violoncelo ao final da tarde).

Ou autor, ao contrário de Joe Sacco, tenta manter uma distância dos dois lados do conflito. Os extremista de ambos os lados (palestino e judeu) são alvo da crítica de Zapico: a Haganah - uma espécie de milícia armada isralense - e os militantes árabes. Talvez para evitar se comprometer, Zapico prefere não abordar os ataques a civis que se seguiram ao anúncio da criação do estado de Israel. Os primeiros conflitos, os primeiros atentados, os primeiros de muitos morticínios estão retratados no livro. Em especial os confrontos do dia 9 de março de 1948 em que árabes e judeus guerrearam entre as ruas de Jerusalém. Mas o artista silencia diante do ataque à aldeia de Der Yassin, na vizinhança de Jerusalém. A 9 de Abril de 1948, forças isralenses entraram na aldeia e massacraram mais de cem pessoas, homens, mulheres e crianças.

Mas, não é o propósito do artista espanhol construir um relato jornalístico.

Café Budapest é um dos melhores romances gráficos de ambientação histórica lançados nos últimos anos. Uma leitura fundamental para quem quer conhecer um pouco mais sobre a questão palestina.

Neste sentido, recomendo a leitura de um artigo recém publicado na revista Piaui sobre Edward Said, um dos maiores pensadores árabes modernos. Edward, que morreu em 2003, desagradou árabes e judeus com suas teorias e foi um dos primeiros a ter a coragem de anunciar que a única saída real para o conflito é palestinos e judeus voltando a viver juntos sob um mesmo estado.

veja o link http://www.revistapiaui.com.br/edicao_41/artigo_1249/O_cosmopolita_desenraizado.aspx





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