A linguagem dos quadrinhos começa lentamente a romper, no Brasil, os limites pré-estabelecidos das tirinhas e das resenhas de lançamentos. Artistas e editores têm feito experiências ainda bastante restritas, mas significativas, de fusão entre os quadrinhos e a narrativa jornalística. As três experiências mais significativas registradas até hoje aconteceram no jornal A Tarde (BA), no Correio Braziliense (DF) e na Folha de S.Paulo (que recentemente publicou reportagens de Joe Sacco).
O jornal A Tarde publicou em novembro de 2007 uma longa reportagem sobre o movimento estudantil na Bahia. O trabalho realizado por Leandro Silveira, Caio Coutinho e Fábio Franco foi criado originalmente como um projeto de conclusão de curso no Centro Universitário da Bahia. As notícias sobre o projeto chegaram até o jornalista Ricardo Mendes, professor universitário e diretor de conteúdo do A Tarde, que decidiu publicar a história. Em entrevista ao site Comunique-se, a editora do Caderno Dez (onde a reportagem em quadrinhos foi publicada) comenta: “O jornal já vinha experimentando outras linguagens, incluindo duas reportagens em quadrinhos, uma sobre o caso Madeleine e outra sobre o dia de Cosme e Damião. Mas eram histórias de uma página".
A primeira parte da reportagem “Vamos à Guerra: mocidade baiana exige entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial”, relembra as manifestações de rua de 1942, pela adesão do Brasil à Guerra contra o Nazismo. A segunda parte “Do palco para as ruas: uma história de estudantes”, fala sobre a greve de estudantes logo após o golpe de 1964. “Reconstrução e Quebra-Quebra” trata sobre o congresso da UNE realizado em Salvador, em 1979. E o último capítulo da série “Estudantes do Novo Milênio”, relembra os movimentos populares em favor da cassação do Todo-Poderoso Antônio Carlos Magalhães.
Ao site Comunique-se os estudantes contam que tiveram de fazer uma grande pesquisa histórica para reconstituir cenários e figurinos. Para concluir o trabalho, três desenhistas, Franklin Mendes, Rodolfo Troll e Thiago Durães, e um designer, José Roberto Almeida, foram contratados para ilustração e direção de arte. “É tudo um grande trabalho de equipe. Se o jornalista sabe desenhar, melhor. Se não, trabalha em conjunto”, afirma Silveira.
Veja a primeira parte da série:
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Correio Braziliense
Em novembro de 2009 o principal jornal de Brasília trouxe uma série de reportagens sobre o crescimento do tráfico de Crack na capital e em outras diferentes regiões do país. O ponto alto da série foi a publicação de uma página em quadrinhos que conta a visita da repórter Samanta Sallum ao Morro de Santa Teresa, em Porto Alegre. O local, chamado de Chapaquistão é dominado pelo tráfico. Mas é lá também que se encontra uma das principais vozes de resistência contra o crime organizado e o tráfico de drogas na capital gaúcha: Manoel Soares, presidente da Associação de Moradores e conselheiro nacional da Central Única das Favelas (CUFA).
Samanta queria mostrar como era a vida dentro de uma área dominada pela violência e pelas drogas. Mas seria impensável subir o morro com máquina fotográfica ou gravador. A única forma de registrar a visita seria através de seus olhos e sua memória... Mas, como passar ao leitor a sensação de medo e perigo que ela havia experimentado no Chapaquistão. E como fazer isso sem expor a identidade das pessoas que ela encontrou no caminho? A saída foi fazer uma reportagem em quadrinhos com o apoio de ilustrador e quadrinista Kleber Salles. Kleber já é conhecido nacionalmente por outros trabalhos publicados na revista Ragu ou pela sua versão para o conto “A Cartomante”, de Machado de Assis publicado no “Domínio Público”.
O trabalho de Samanta Sallum e Kleber Salles é inovador e pioneiro. Diferente da reportagem publicada em 2007 no jornal A Tarde (que tinha caráter de pesquisa histórica), a página publicada no Correio Braziliense traz a linguagem dos quadrinhos para o cotidiano do jornal. Uma história vibrante, real e impactante.
O Resultado é de excelente qualidade. O texto de Samanta está em perfeita sintonia com a dinâmica narrativa de Kleber. Em apenas uma página o leitor consegue sentir o clima asfixiante que a repórter viveu ao subir o morro e encontrar-se pessoalmente com os líderes do tráfico. A frustração foi o tamanho que a reportagem ocupou. Ficou um indisfarçável sentimento de “quero mais”.
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