Um libelo em defesa da Paz. Esta é a melhor forma de definir o romance gráfico "Às Inimigo: um poema de guerra", do artista americano George Pratt. Lançada no Brasil em 1995 esta HQ se transformou em item de colecionadores e é, indiscutivelmente, uma das obras mais importantes da Arte Sequencial já lançada no País.
Para compor sua história, George Pratt aproveitou-se de um personagem já existente que havia sido criado por outro grande nome dos quadrinhos - Joe Kubert. O piloto alemão Hans Von Hammer surgiu em uma história de Kubert lançada em 1965. Conhecido como "Martelo do Inferno", pela frieza e destreza no ar, Hans tornou-se a mais termida máquina de guerra durante o primeiro confito mundial (quem quiser conhecer o piloto em ação pode conferir o livro "Às Inimigo", lançado no Brasil pela Ópera Gráphica).
Mas, no livro de Pratt, o piloto alemão não é mais o mesmo. Velho e sozinho em um asilo, Hans Von Hammer tornou-se um homem marcado pela guerra. Ao contrário do soldado frio, o velho Hans é agora um homem prestes a reencontrar a morte e que aprendeu que não há nada de belo ou heróico nas guerras. O livro vai encontrar o piloto no ano de 1969 durante uma série de entrevistas a um jornalista americano interessado em escrever a história dos grandes nomes da I Grande Guerra.
O jornalista, entretanto, não é um mero expectador. Ele também é um sobrevivente (da Guerra do Vietnã) que se vê perseguido pelos "fantasmas" do passado. Sua entrevista com Hans Von Hammer é apenas um pretexto para uma espécie de terapia ou catarse. O repórter busca no velho soldado alemão algo mais do que informação. Ele procura uma forma de aprender a livrar-se da sua dor...
Por meio da entrevista vamos conhecendo um pouco mais da "desconhecida" personalidade do "Às Inimigo" e episódios que deixariam marcas profundas no "inabalável" piloto alemão. Uma das mais belas passagens do livro é quando Hans fica ao lado de um soldado inimigo que está à beira da morte. O jovem ferido está cego e não consegue identificar seu inimigo (Hans tem uma perfeita pronúncia do inglês). O alemão se queda ao lado do soldado e o conforta nos últimos momentos.
A outra passagem marcante da HQ é a confraternização de Natal entre os exércitos em luta. A cena remete imediatamente à lembrança do clipe de uma música de Paul McCartney dos anos 1980 (ver clip abaixo)
Por alguns momentos os soldados aliados e alemães deixam as trincheiras e se encontram na "terra-de-ninguém" (espaço que fica entre os dois campos inimigos). A história verídica ocorreu no Natal de 1914. Por algumas horas de trégua não oficial os soldados beberam e cantaram juntos, jogaram partidas de futebol e compartilharam whisky, cigarros e chocolate. Existem registros de que confraternizações semelhantes teriam ocorrido novamente no natal de 1915 e na Páscoa de 1916.
Em uma entrevista concedida alguns anos atrás, George Pratt confessou que "Às Inimigo: um poema de Guerra" é o seu melhor trabalho: "É o meu preferido e foi o trabalho que me deu mais prazer. Mergulhei nesse livro com muito amor. Deram-me carta branca para fazer o que eu quisesse. Eu estava nervoso como se fosse a minha primeira história em quadrinhos." - afirma.
O traço de Pratt é inconfundível. Seu domínio sobre a aquarela impressiona. Ele consegue transmitir dinamismo, densidade, tensão... tudo ao mesmo tempo, num turbilhão de imagens.
"Às Inimigo..." é um trabalho que precisaria ser reeditado para as novas gerações, que dificilmente conseguirão encontrar um dos raros exemplares da edição de 1995. Fica a dica para quem gosta de frequentar sebos e feiras de antiguidades.
Confira neste documentário o próprio Pratt falando sobre o seu processo criativo:
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