sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O inferno nas Trincheiras

What passing-bells for these who die as cattle?
Only the monstrous anger of the guns.
Only the stuttering rifles' rapid rattle
Can patter out their hasty orisons. (...)


Que sinos dobrarão por estes que assim morrem
como animais? Só a ira horrenda dos canhões.
Só o rápido estrondar dos fuzis gaguejantes
deles dirá as apressadas orações. (...)


Wilfred Owen

A Primeira Grande Guerra Mundial deixou um saldo de destruição como a humanidade jamais havia visto antes. 19 milhões de mortos, outras centenas de milhões de feridos, cidades inteiras destruídas... Ela inaugurou uma nova era, em que os sucessivos avanços tecnológicos alcançados pela indústria militar elevaram o poder de devastação e morte a um nível jamais imaginado: o genocídio.

Foi na Primeira Guerra que os aviões começaram a ser usados em larga escala como estratégia militar. Foi também neste conflito que surgiram: o tanque de guerra (criado pelos ingleses), o canhões de longo alcance e o uso de armas químicas (como o gás mostarda). Mas foi nas trincheiras escavadas ao longo de quilômetros das áreas de conflito que a I Guerra mostrou o seu lado mais sombrio e desumano.

Entre 1914 e 1918, os exércitos de ambos os lados da Guerra (Tríplice Aliança e Tríplice Entente) escavaram buracos no chão que formavam quilômetros verdadeiros labirintos e ficavam à espera do inimigo por meses a fio. O poeta inglês Siegfried Sassoon, que lutou na Primeira Guerra, descreve as trincheiras como “buracos em que os soldados são atacados por ratos e onde os que estão dormindo parecem que estão mortos – e muitos de fato estão”.

O artista francês Jacques Tardi ouviu desde criança as histórias de atrocidades e horror contadas pelo avô, ele próprio um sobrevivente da guerra. Anos mais tarde estas memórias e os relatos de outros ex-combatentes se transformariam em uma das mais significativas páginas já escritas sobre o conflito. Na verdade, a I Guerra virou uma obsessão de Tardi, que lançou três livros sobre o tema e este ano publicou mais uma história sobre o conflito (Putain de Guerre! 1914-1915-1916). “Me emocionei muito ao ver fotos da época... sequências de pobres desgraçados, alemães ou franceses, de olhar perdido... sua angústia e medo são visíveis. E eu me fazia sempre as mesmas perguntas: como podiam descansar sob o fogo cruzado? Como podiam dormir? Como despertavam? De onde tiravam um pouco de esperança para ter aquela energia?”

“A Guerra das Trincheiras – 1914/1918” lançado em 1993 (c’était La guerre dês tranchées) é uma história sem heróis, sem protagonistas. Nas palavras do próprio Tardi, há somente um “enorme e anônimo grito de agonia”. Ao longo de 126 páginas o artista reproduz as tragédias pessoais de homens – a maioria deles extremamente jovens – que morriam e matavam sem compreender porque.

Documento para a História


Jacques Tardi, assim como havia feito em “O Grito do Povo” (seu único livro lançado no Brasil), consegue envolver o leitor em uma trama de ficção mas, ao mesmo tempo, extremamente real, de soldados sem nome, abandonados à própria sorte. Um francês, atingido pela baioneta de um soldado alemão, tenta inultilmente conter suas vísceras no capacete. Outro, obrigado por um oficial a retirar o corpo em decomposição de um soldado preso aos arames farpados, pensa na mulher nos seus últimos instantes, antes de ser ele também abatido.

E como não citar a história de Mazure, um soldado francês ferido que busca se esconder em uma igreja, onde encontra Werner, um soldado alemão. Eles fizeram um pacto: se a área caísse em mão dos alemães Mazure seria prisioneiro de Werne. Do contrário, Werner ficaria sob poder de Mazure. Bastava esperar e ficar a salvo dos tiroteios. Ao final, o esconderijo dos dois é descoberto por soldados franceses. Werner é imediatamente morto e Mazure fuzilado sob a acusação de confraternizar com o inimigo.

A Guerra das Trincheiras é um livro fundamental para quem busca entender um dos mais importantes acontecimentos da história e que acabou meio esquecido com as atrocidades das guerras que se seguiram. Infelizmente o livro ainda não teve a sua versão brasileira.

Confira o trailler do filme A Trincheira, de 1999, do diretor William Boyd e estrelado por Daniel Craig (o mesmo ator dos dois últimos filmes de 007)

Um comentário:

  1. olá,

    Excelente post. Tardi tem vários albuns relacionados com a GG. Existe outro autor - Comés - que também tem umas histórias sobre este tema. Uma delas que li recentemente (Le Dix de Der), é mesmo muito boa. Mas Comés é mais fantástico onde Tardi é (hiper)realista.

    /LB

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