Um Contrato com Deus

No universo das artes, as unanimidades são algo raro. Poucos são os que chegam ao status quase sagrado de obras primas como: Cidadão Kane, a 5ª Sinfonia, Dom Quixote ou Guernica. Sem exageros, o livro “Um Contrato com Deus”, do artista americano Will Eisner figura entre estas unanimidades e tem sido considerado por todos os pesquisadores e críticos de quadrinhos como uma divisor de águas na história da Nona Arte.

“Um Contrato..” é uma obra tão fundamental que o conceito Graphic Novel (ou Romance Gráfico) surgiu junto com ela para definir um novo tipo de literatura.

Até o lançamento do livro em 1978 os quadrinhos eram vistos como algo restrito a crianças e adolescentes. Foi Will Eisner e sua obra-prima que elevaram os comics (como são chamados no Estados Unidos) ao status de arte. As quatro histórias que compõe o livro são parcialmente auto-biográficas, todas elas reproduzem o ambiente onde Eisner cresceu: o bairro do Brooklin, em Nova Iorque, no período da Grande Depressão (década de 1930).

Eisner conta que a primeira história - que dá nome ao livro - foi resultado de uma tragédia pessoal: sua filha única morreu de leucemia oito anos antes do lançamento de "Um Contrato com Deus". Colocar no personagem seu ódio e desespero foi uma forma do autor se "livrar" da própria dor. "Exorcizei meu ódio contra uma divindade que eu acreditava ter violado minha fé", diz Eisner.

O livro, lançado no Brasil em 1988, ficou longos anos fora de catálogo até receber uma nova edição especial no ano passado.

Uma obra única

O que faz de “Um Contrato com Deus” um trabalho tão importante?

Em primeiro lugar a força da história. As “crônicas” reunidas no livro reproduzem o drama humano vivido pelos moradores de um cortiço e sua luta pela sobrevivência em meio a golpes, miséria e tragédias. Em segundo lugar, pela qualidade do traço de Will Eisner. Mas principalmente pelo domínio da técnica narrativa que alia desenhos e palavras. Neste campo, Eisner era o mestre. Ele se utilizava de todos os recursos possíveis, como o enquadramento, o jogo de luz e sombra e o próprio "silêncio"... Nada passava despercebido.

No exemplo abaixo ele se utiliza da junção de imagem e palavras para acentuar o efeito dramático da chuva
Neste outro exemplo Eisner usa o enquadramento para dar ao leitor a nítida visão de clausura e solidão em vive o zelador do Cortiço.

Will Eisner continuou produzindo suas histórias sem parar. Os bairros pobres, os subúrbios de Nova Yorque estão retratados em uma série de outros livros do autor, como: "No Coração da Tempestade", "O nome do Jogo", "O Edifício", "Avenida Dropsie" entre outros.

O artista morreu em 2005, aos 87 anos de idade. Além de um trabalho vasto, que inclui a criação do Herói "Spirit" (que chega este ano ao cinema), Will Eisner também produziu livros "teóricos" que têm ajudado outros artistas e pesquisadores a entederem melhor a Nona Arte ou Arte Sequencial (conceitos criados por ele).

Por tudo isso, "Um Contrato com Deus" é um livro indispensável para qualquer pessoa que deseja compreender melhor o universo dos Quadrinhos e para colecionadores.