Mais de 30 mil mortos, 50 mil presos e 7 mil deportados. Homens, mulheres e crianças fuzilados sumariamente pelas ruas ou soterrados sob os escombros da cidade destruída pelos disparos dos canhões. O massacre lembra Canudos. Mas, em lugar do agreste sertão baiano, o cenário desta história são as ruas e avenidas de Paris.
"O Grito do Povo", do desenhista francês Jacques Tardi, baseado no romance do escritor e roteirista Jean Vautrin, relembra o surgimento e queda da Comuna de Paris: uma revolução que durou apenas 62 dias mas deixou marcas profundas e definitivas na França e no mundo ocidental. O movimento popular, ocorrido entre março e maio de 1871, pretendia a abolição da propriedade privada e uma mudança radical na velha máquina do Estado. A Comuna influenciou grandes pensadores, como: Friedrich Engels, Trotski, Bakunin, Victor Hugo, Émile Zola, Alexandre Dumas, entre outros. Sobre o movimento, Karl Marx afirmou: "A Paris operária, com a sua Comuna, será para sempre celebrada como a gloriosa precursora de uma sociedade nova. A recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no grande coração da classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História já os pregou a um pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não conseguirão resgatá-los."
A história do movimento que culminaria com a Comuna de Paris começa logo após a guerra da França contra a Prússia. Após uma derrota vexatória, a população acusou os oficiais franceses de abandonarem seus postos e fugirem da luta e resolveu, ela própria, pegar as armas e defender a cidade de Paris. Enquanto isso, o Governo francês se refugiou em Versalhes e começou a elevar os impostos para cobrir as indenizações de Guerra. Era urgente que o comércio e a indústria voltassem à normalidade. Mas os homens de negócios decidiram só recomeçar as operações comerciais e financeiras quando os miseráveis que ocupavam a capital fossem aniquilados.
Foi a tentativa de recuperar os canhões abandonados durante a guerra e "apropriados" pela população, que deu início à revolta. O Governo esperava uma operação simples, mas não contava com a organização popular e a sublevação das tropas.
"O Grito do Povo", que foi publicado no Brasil pela Conrad Editora, está dividido em dois volumes. No primeiro, Tardi e Vautrin rememoram os primeiros momentos da revolução onde, por um curto período, a população tentou organizar uma nova experiência de administração pública, que tinha como principais bandeiras as mudanças nas relações de trabalho e no sistema educacional. O segundo volume se concentra sobre a destruição da revolta... A última barricada de Paris caiu no domingo, 28 de maio de 1871. Ela havia sido construída precariamente em 15 minutos e estava defendida por um único homem.
Reconstituição histórica
A história é conduzida por Vautrin com muita destreza. A forma como o autor une elementos de ficção e realidade confere ritmo e força à narrativa. Um segredo une os dois personagens principais (Tarpagnan, capitão do exército que adere à Comuna e Horace Grodin, um agente de polícia que passou parte de sua vida na cadeia por um crime que não cometeu), e cria uma tensão que atravessa toda a obra. Já o traço de Tardi é único e faz dele um dos artistas mais respeitados nos quadrinhos europeus. Amante da arquitetura parisiense, o artista busca em fotos e postais antigos a inspiração para resgatar uma cidade que se perdeu no tempo. O artista consegue ser fiel. O horror da guerrra civil está retratado fielmente em suas atrocidades cometidas de lado a lado. Desde os padres fuzilados pela Comuna até as crianças mortas pelos soldados fiéis a Versalhes.
"O Grito..." é um preciso trabalho de reconstituição histórica de um período fundamental para a história moderna e leitura obrigatória para quem quer conhecer melhor o Universo dos Quadrinhos.
Para aqueles que quiserem conhecer um pouco mais sobre a Comuna de Paris, seguem algumas dicas:
- A Comuna de Paris, Leon Trotski. Editora Laemmert (1968)
- A Comuna de Paris: os assaltantes do Céu, Horácio Gonzales. Editora Brasiliense (1983)
- Crônicas da Comuna, Victor Hugo, Gustave Flaubert, Emile Zola, Guy de Maupassant, Arthur Rimbaud. Editora
Ensaio (1992)
Confira um excelente documentário sobre o movimento
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